segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Resenha sobre a microssérie Capitu



Uma resenha legal que no "O Pensador selvagem" sobre a microssérie da globo, Capitu.
Confira:


Mais ou menos um ano e meio atrás, Luiz Fernando Carvalho estreava na Globo a mini-sério “A Pedra do Reino” da qual falei muito, muito mal. O tempo passou, e dando continuidade ao seu projeto Quadrante de adaptação de obras literárias brasileiras para a tv, o homem apresentou “Capitu”, a qual torci o nariz desde que ouvi pela primeira vez a idéia. Não gostei da pretensão de “modernizar” Machado, não gostei do oba-oba publicitário desmedido em cima do projeto, não gostei de botar o foco em Capitu (seguindo uma certa tendência de “resgatar” o bom nome da personagem que costuma ignorar a ambivalência moral que justamente a torna tão interessante), particularmente não gostei da idéia de botar a Maria Fernanda Cândido para interpretar de novo um papel que já tinha lhe levado à nocaute no desgraçado filme ”Dom”.

Mas a graça da vida é estar errado. “Capitu” é muito bom. Luiz Fernando Carvalho é um gênio. Mas algumas coisas precisam ser explicadas.

* Luiz Fernando Carvalho carrega a pecha de ser “inovador”, conceito carregado e um tanto duvidoso… Muito disso se deve ao seu uso abusivo de recursos audivisuais no estilo de videoarte… todo aquele stop motion, aquelas sobreposições toscas e fora de foco compõe uma estética que mereceu com tristes honras ser chamada de “vanguardeira”. Na real, não existe nada de muito novo nesse tipo de coisa: Guel Arraes e Jorge Furtado já faziam tudo isso em meados da década de 80, e tome-lhe vinte anos atrás na história. Isso para não jogar na cara que os cortes rápidos com descontinuidade de tempo são invenção do Godard, nos idos de 59.


Então, esse é um ponto fraco da produção recente de Carvalho, que pesou demais em “A Pedra do Reino” e é responsável pelos piores momentos de “Capitu”. Os intertítulos desnecessários, os lugares-comuns que chegam a virar o estômago (usar Villa-Lobos, depois quinquagésima vez, já não é mais ironia), todas as montagens que se propõe críticas, como a do poeta cercado por fotógrafos no trem, mas que na verdade são tão só um recozido de algo que já assisti em “Armação Ilimitada” tempos atrás… É patético, é ruim. E é o que, creio, termina atrapalhando a obra de Carvalho.

Mas.

Luiz Fernando Carvalho é um gênio. Se ele perde a mão na hora de usar esses recursos visuais batidos, que causam estranhamento não por serem “novos” na tv brasileiro, mas justamente por terem sido usados e abusados até o esgotamento da paciência, na hora de pôr em prática as técnicas mais clássicas de composição e filmagem cinematográfica, o homem é superior a qualquer outro realizador brasileiro vivo. “Capitu” é uma demonstração soberba do poder de se contar uma história através do uso indiscriminado de beleza. E não é coisa pouca: qualquer um disposto a adaptar um texto literário enfrenta o desafio básico de transmitir informação de uma linguagem essencialmente não-visual para uma em que, segundo Jean-Claude Carrière, você deve sempre “mostrar, não contar”. A coisa piora muito em casos como o de Machado, em que o poder da história é intrínsico à forma do texto. A coisa piora até as raias da impossibilidade quando sua proposta é não fazer concessões e adaptar o texto da forma mais fiel possível, como Carvalho pretendia. Mas, cacete, não é que o homem conseguiu? Se todo o resto de “Capitu” fosse um lixo, ainda assim Carvalho mereceria louros de consagração pela vitória singular na tarefa de transformar as frases machadianas em composição e imagens que não só preservam e traduzem perfeitamente o contexto original, como expandem, interpretam, lhe conferindo volume, graça e cor. Capitu e Bentinho deitados sobre um palco desenhado de giz, que representa a rua do subúrbio, não é só a perfeita tradução para imagem do doce faz pouco retratado no livro. É algo belo por si só. É uma imagem emblemática, singularmente poderosa, e ainda assim integrada e sem se sobressair ao todo. É cinema, como a maioria dos mortais desperdiça a vida apenas sonhando em fazer.

E eis o outro ponto forte de “Capitu”: o resto não é lixo. A iluminação ambiente é cuidadosa, exemplo primoroso do que todo diretor de fotografia quer dizer quando fala de “desenhar com a luz”. A cenografia é de criatividade brilhante, e soma ao conjunto da obra ao invés de ofuscá-lo ou afogar a história sobre o peso de tanto babado. E as composições são excelentes; existe ainda um abuso da fórmula noveleira básica de plano/contra-plano na hora dos diálogos, mas isso é mais do que compensado por cenas como a do primeiro beijo de Capitu e Bentinho, criativa, singela, bonita de doer. Usar “Elephant Gun” do Beirut como trilha sonora foi uma escolha bizarra, ótima, apropriada (folk rock com ukelele? Numa trilha sonora que também inclui Sex Pistols?). E o elenco, para grande mordedura de minha língua, manda bem além da conta. OK, um ou dois tons a menos em teatralidade não ia me fazer mal. Mas Letícia Persiles simplesmente É Capitu. Ela faz com que olhos de ressaca deixem de ser um lindo conceito abstrato para se tornarem uma lembrança real gravada em minha mente. É uma performance inesperada para uma atriz em primeiro papel, encarando uma das personagens mais complexas da literatura. E ela faz sem forçar, sem fazer da ambiguidade, hesitação, ou se perder na armadilha de interpretar Capitu como dissimulada demais… ou de menos.

“Capitu” é amis que a melhor mini-série da Globo. É um novo parâmetro de realização, é um triunfo. É uma obra que merece admiração por si só. É um dos melhores trabalhos audiovisuais do país. Fernando Meirelles vai ter que se esforçar um bocado com “Som e Fúria”. Existe, enfim, forte concorrência…

* Primeira Consideração Final: uma das coisas mais legais de “Capitu”, porém, não está diretamente envolvido com audiovisual. É que a mini me faz lembrar de quão estupendo é “Dom Casmurro”. É mais do que o melhor romance brasileiro, indiscutível. É um dos melhores romances universais. E isso veem de alguém que sempre pensou em literatura sem se importar com nacionalidades. Machado de Assis é, no mínimo, um escritor do nível de Marcel Proust ou Henry James. É uma coisa legal que a produção desperte mais atenção para ele (ainda que, tenha sempre o pessoal que não entende porra nenhuma de nada: em fórum da internet li declaração de uma espectadora que elogiava o “amor puro e inocente” de Bentinho e Capitu, o casal menos inocente da história da literatura…)

* Segunda Consideração FInal: diferente de “Pedra do Reino”, “Capitu” está fazendo sucesso, o que é bom e merecido. Agora cabe à Globo e ao próprio Carvalho tirar o autor do gueto das 23hs, onde ele está exilado desde “Os Maias”. Carvalho é responsável por uma das melhores novelas das oito da história da Globo, “Renascer”. Manter seu talento escondido na aba da madrugada é mais que injustiça com sua história pregressa e potencial futuro. É um desserviço público. Vale sempre lembrar: elitismo não é gostar de ópera. Elitismo é se recusar a exibir ópera na favela.

1 Comentário:

Veiga disse...

nem gostei...

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